A desaceleração do ritmo de inovação e a estagnação econômica
indicam que tudo parece estar dado errado. Como reverter o cenário: em
primeiro lugar, assumindo que vivemos num deserto.
Um. A civilização ocidental moderna se sustenta
sobre os pedestais gêmeos da ciência e da tecnologia. Juntos, esses dois
campos nos asseguram que a história de progresso ininterrupto do século
19 segue intacta. Sem eles, os argumentos de que vivemos uma decadência
cultural – desde o colapso da arte e da literatura após 1945 ao
totalitarismo do politicamente correto e aos mundos sórdidos dos reality
shows – ganhariam muito mais força.
Os liberais afirmam que ciência e tecnologia continuam saudáveis. Os
conservadores às vezes dizem que elas são falsas utopias; mas os dois
lados concordam que o firme desenvolvimento e aplicação das ciências
naturais deve continuar.
No entanto, durante a Grande Recessão, que começou em 2008 e ainda
não terminou, essas grandes expectativas foram suplementadas por uma
necessidade desesperada. Precisamos de empregos bem pagos para nem
pensar em competir com China e Índia por empregos mal remunerados.
Precisamos de crescimento para preencher as expectativas ilusórias de
nossas aposentadorias e nossos fugidios Estados de bem-estar social.
Precisamos de ciência e tecnologia para nos tirar do profundo buraco
econômico e financeiro, embora a maioria de nós não possa separar
ciência de superstição ou tecnologia de mágica.
Sabemos que o otimismo desesperado não vai nos salvar. O progresso
não é automático nem mecânico; é raro. Aliás, a história única do
Ocidente é a exceção da regra de que a maioria dos seres humanos existiu
num estado brutal, imutável e empobrecido por milênios. Mas não há uma
lei garantindo que a ascensão do Ocidente vai continuar.
Portanto, faríamos bem em analisar a opinião amplamente aceita de que
os Estados Unidos estão no caminho errado (e já há algum tempo). Seria
bom também perguntar se o progresso não está se saindo tão bem como
alardeiam e, talvez, tomar medidas excepcionais para conter e reverter
um possível declínio.
O estado atual da verdadeira ciência é a chave para saber se há
realmente algo de podre nos EUA. Mas qualquer avaliação tropeça em um
desafio quase intransponível. Quem poderá avaliar a saúde do universo do
conhecimento humano uma vez que muitos campos científicos ficaram
complexos, esotéricos e especializados demais?
Quando qualquer campo exige metade de uma vida de estudos para que
seja dominado, quem poderá comparar adequadamente a taxa de progresso em
nanotecnologia, criptografia, teoria das super cordas e 610 outras
disciplinas? Aliás, como saber se os chamados cientistas não são
legisladores e políticos disfarçados, como alguns conservadores
suspeitam em campos tão díspares como mudanças climáticas e biologia
evolutiva, como eu vim a suspeitar em quase todos os campos?
Por enquanto, vamos reconhecer esse problema de medição, mas não
permitir que ele paralise a investigação sobre a modernidade antes de
ela começar.
Dois. Confrontado às grandiosas esperanças dos anos
1950 e 1960, o progresso tecnológico ficou devendo. O exemplo mais
literal da não aceleração é: não estamos nos locomovendo mais depressa. O
aumento da velocidade de locomoção ao longo dos séculos – veleiros cada
vez mais rápidos nos séculos 16 a 18, trens cada vez mais velozes no
século 19 a carros e aviões no século 20 – foi revertido pela
desativação do Concorde em 2003, sem falar dos atrasos em aeroportos.
Os atuais defensores de jatos espaciais, férias lunares e exploração
tripulada do Sistema Solar parecem vir de outro planeta. Uma desbotada
capa de Popular Science de 1964 – “Quem o levará para voar a 3.200
km/h?” – recorda vagamente os sonhos de uma era passada. A explicação
oficial para a desaceleração nas viagens gira em torno do alto custo do
combustível, o que aponta para o fracasso ainda maior na inovação
energética.
Os preços reais do petróleo excedem hoje os da catástrofe de Jimmy
Carter de 1979-80. O apelo de 1974 de Nixon para uma plena independência
energética até 1980 deu lugar ao apelo de 2011 de Obama por um terço de
independência de petróleo até 2020.
A indústria nuclear e sua promessa de 1954 de “energia elétrica
barata demais para se medir” foi derrotada há muito tempo pelo
ambientalismo e a preocupações com a proliferação nuclear.
Não se pode, em boa consciência, encorajar um estudante universitário
em 2011 a estudar energia nuclear como carreira. A “tecnologia limpa”
virou um eufemismo para “energia cara demais” e, no Vale do Silício,
virou também um termo cada vez mais tóxico para maneiras quase
garantidas de perder dinheiro.
Sem inovações drásticas, a alternativa ao petróleo mais caro poderá
acabar sendo não as energias mais limpas e muito mais caras – extraídas
de vento e do sol – mas a do menos caro e mais sujo carvão. Para fins
atuais, basta notar que 40% da carga ferroviária envolve o transporte de
carvão.
No caso da agricultura, a fome tecnológica pode levar a uma fome real
ao velho estilo. O esmorecimento da verdadeira Revolução Verde – que
aumentou em 126% a produção de grãos de 1950 a 1980, mas progrediu
apenas 47% depois disso, mal conseguindo acompanhar o ritmo do
crescimento da população global – encorajou outra “revolução verde”,
esta mais intensamente divulgada e de um caráter mais político e mais
incerto.
Podemos embelezar a Primavera Árabe de 2011 como um alvissareiro
subproduto da era da informação, mas não deveríamos desconsiderar o
papel principal da disparada dos preços dos alimentos e das muitas
pessoas desesperadas que ficaram mais famintas que temerosas.
Apesar de a inovação em medicina e biotecnologia não ter estagnado
completamente, também há muita redução das expectativas. Em 1970, o
Congresso prometeu a vitória sobre o câncer em seis anos. Quatro décadas
depois, podemos estar 41 anos mais perto, mas a vitória parece muito
mais distante.
Os políticos de hoje achariam muito mais difícil persuadir um público
mais cético a começar uma guerra comparável contra o mal de Alzheimer –
apesar de quase um terço dos americanos com 85 anos ou mais sofrerem de
alguma forma de demência. A medida mais crua, que é a expectativa de
vida americana, continua aumentando, mas com certa desaceleração – de
67,1 anos para homens em 1970 para 71,8 em 1990 e 75,6 em 2010.
Olhando para o futuro, vemos muito menos drogas revolucionárias sendo
desenvolvidas – talvez por causa da intransigência da FDA (agência que
controla alimentos e remédios nos Estados Unidos), talvez pela inépcia
dos pesquisadores de hoje e pela incrível complexidade da biologia
humana.
Nos próximos três anos, as grandes companhias farmacêuticas perderão
cerca de um terço de seu fluxo de receita corrente com a expiração de
patentes, de modo que, numa resposta perversa, mas compreensível, elas
começaram a liquidação dos departamentos de pesquisa que deram tão
poucos frutos na última década e meia.
Três. Por exclusão, os computadores viraram a única
grande esperança para o futuro tecnológico. A aceleração na informática
contrasta dramaticamente com a desaceleração em todo o resto.
A Lei de Moore, que prevê a duplicação do número de transistores que
pode ser empacotado em um chip a cada 18 a 24 meses, permaneceu
verdadeira por mais tempo do que todos (inclusive Moore) teriam
imaginado em 1965. Um celular em 2011 tem mais poder de computação do
que todo o programa espacial Apollo em 1969.
Da perspectiva de Palo Alto, um retorno ao ano festivo de 1999 parece
quase dentro do alcance. Tudo que reluz parece ouro. Milhares de novas
empresas de internet são lançadas a cada ano, e as valorizações das
empresas web 2.0 aumentaram; e não inteiramente sem razão, talvez duas a
seis dessas empresas recém-criadas cruzarão a linha de valorização de
US$ 1 bilhão cinco anos depois de sua criação.
Afinado com essa nova vida para a nova economia, o Google comandou um
movimento paralelo que quase dobrou os salários dos engenheiros de
computadores mais talentosos nos últimos três anos. Além dos dólares,
basta assistir A Rede Social para ver como o Facebook e seus 800 milhões de usuários captaram o novo espírito da época.
A dissociação econômica dos computadores de tudo o mais gera mais
perguntas do que respostas, e apenas sugere o estranho futuro para o
qual as tendências de hoje caminham. Os supercomputadores se tornariam
motores poderosos para a criação milagrosa de formas inteiramente novas
de valor econômico, ou apenas virariam armas poderosas para reformar
estruturas existentes e, por natureza, implacáveis? Como se mede a
diferença entre progresso e mera mudança? Quanto há de cada um desses?
Quatro. Se ocorre um progresso científico e
tecnológico significativo, seria razoável esperar maior prosperidade
econômica (embora essa possa ser contrabalançada por outros fatores). E
também o inverso: se os ganhos econômicos, medidos por indicadores
chaves, foram limitados ou inexistentes, talvez o mesmo tenha ocorrido
com o progresso científico e tecnológico.
Portanto, na medida em que o crescimento econômico é mais fácil de
quantificar que o progresso científico ou tecnológico, os números
econômicos conterão pistas indiretas, mas importantes.
O desenvolvimento econômico isolado mais importante dos últimos
tempos foi a estagnação geral de salários e rendas desde 1973, o ano em
que os preços do petróleo quadruplicaram.
Para uma primeira aproximação, o progresso em computadores e o
fracasso em energia parecem ter quase se anulado mutuamente. Como Alice
na corrida da Rainha de Copas, nós (e nossos computadores) fomos
obrigados a correr cada vez mais para ficar no mesmo lugar.
Tomados pelo valor nominal, os números econômicos sugerem que a noção
de um progresso vertiginoso e em todos os âmbitos errou feio o alvo.
Quem acreditar nos dados econômicos, terá de rejeitar o otimismo do
establishment científico.
O futuro econômico parecia muito diferente nos anos 1960. Em seu best-seller de 1967, O Desafio Americano,
Jean-Jacques Servan-Schreiber argumentou que a aceleração do progresso
tecnológico alargaria a distância entre os EUA e o resto do mundo.
Segundo o autor, a diferença entre EUA e a Europa (exceto Suécia)
cresceria de uma diferença de grau para uma diferença de tipo,
comparável à diferença entre Europa e Egito ou Nigéria.
Com isso, os americanos enfrentariam menos pressão para competir: “Em
30 anos, os EUA serão uma sociedade pós-industrial. Serão só quatro
dias de trabalho por semana e sete horas de trabalho por dia. O ano terá
39 semanas de trabalho e 13 semanas de férias. Somando os fins de
semana e feriados, isso resultará em 147 dias de trabalho e 218 dias
livres por ano. Tudo isso dentro de uma única geração.”
Precisamos resistir à tentação de descartar o otimismo da era
espacial de Servan-Schreiber para compreender como o consenso que ele
representava poderia ter estado tão terrivelmente equivocado – e como,
em vez disso, para muitos americanos, o Quarto Mandamento (“Lembra do
dia de descanso, para o santificar”) foi esquecido.
Cinco. A desaceleração da tecnologia ameaça toda a ordem política moderna, que se apoia no crescimento fácil e contínuo.
O toma lá dá cá das democracias ocidentais depende da ideia de que
podemos criar soluções políticas que capacitem a maioria das pessoas a
ganhar durante a maior parte do tempo. Mas em um mundo sem crescimento,
podemos esperar um perdedor para cada ganhador.
Muitos suspeitarão que os vencedores estão envolvidos em alguma
maracutaia, de modo que podemos esperar uma rudeza cada vez mais
deplorável em nossa política. Podemos testemunhar os princípios de um
sistema de soma zero em política nos EUA e na Europa ocidental, na
medida em que os riscos mudam de ganhar menos para perder mais, e que
nossos líderes procuram desesperadamente soluções macroeconômicas para
problemas que não foram primariamente de economia por muito tempo.
O nome mais comum para uma ênfase mal colocada em política
macroeconômica é “keynesianismo”. A despeito de seu brilhantismo, John
Maynard Keynes sempre foi uma fraude, e sempre houve um pouco de
tapeação no estímulo fiscal em massa e na correlata impressão de
papel-moeda. Mas temos que reconhecer que essa fraude curiosamente
pareceu funcionar por muitas décadas.
O forte vento de popa científico e tecnológico do século 20
potencializou muitas ideias economicamente ilusórias. Mesmo durante a
Grande Depressão dos anos 30, a inovação levou a avanços em campos como
rádio, cinema, aeronáutica, eletrodomésticos, química de polímeros e
recuperação secundária de petróleo. Apesar de seus muitos erros, os
agentes do New Deal impeliram fortemente a inovação. Os déficits do New
Deal foram facilmente quitados pelo crescimento das décadas seguintes.
Durante a Grande Recessão dos anos 2010, ao contrário, nossos líderes
políticos debatem estreitamente questões fiscais e monetárias com muito
mais erudição, mas adotaram uma mentalidade de “Culto à Carga” com
respeito à inovação futura.
À medida que os anos passam e a carga não chega, nós acabamos
duvidando se ela algum dia voltará. A era das bolhas monetárias
terminará naturalmente em austeridade real.
Uma pessoa perversa poderia até perguntar se “economias do lado da
oferta” realmente foram o tipo de senha para “keynesianismo”. Por
enquanto, basta reconhecer que alíquotas fiscais marginalmente mais
baixas podem não ocorrer e não substituiriam a muito necessária
construção de centenas de novos reatores nucleares.
Seis. Responder à questão de se houve ou não uma
desaceleração tecnológica está longe de ser uma tarefa tranquila. A
questão crítica de por que tal desaceleração parece ter ocorrido é ainda
mais difícil, e não há espaço para tratá-la por completo aqui.
Encerremos com a questão correlata de o que pode ser feito agora.
Mais sucintamente, será que nosso governo pode religar o motor parado
da inovação? O Estado pode impulsionar com sucesso a ciência; não há
por que negá-lo. O Projeto Manhattan e o programa Apollo nos lembram
dessa possibilidade.
Mercados livres podem não financiar tanta pesquisa básica quanto necessário. Um dia após Hiroshima, o New York Times
pôde, com alguma razão, pontificar sobre a superioridade do
planejamento centralizado em matérias científicas: “Resultado final: uma
invenção (a bomba nuclear) que foi dada ao mundo em três anos teria
tomado talvez meio século para se desenvolver se tivéssemos que depender
de pesquisadores ‘primmas donnas’ que trabalham sozinhos”.
Mas isso era outra época. A maioria de nossos líderes políticos não é
formada por engenheiros ou cientistas e não ouve engenheiros ou
cientistas. Hoje, uma carta de Einstein ficaria perdida na sala de
correio da Casa Branca, e o Projeto Manhattan nem seria começado; ele
com certeza não poderia ser concluído em três anos. Não conheço um único
líder político nos EUA, seja ele democrata ou republicano, que cortaria
gastos com saúde para liberar dinheiro para pesquisa em biotecnologia –
ou, mais geralmente, que faria cortes sérios no sistema de previdência
para liberar dinheiro sério para grandes projetos de engenharia. Robert
Moses, o grande construtor da cidade de Nova York dos anos 1950 e 1960,
ou Oscar Niemeyer, o grande arquiteto de Brasília, pertencem a um
passado em que as pessoas ainda tinham ideias concretas sobre o futuro.
Os eleitores hoje preferem casas vitorianas. A ficção científica ruiu
como gênero literário. Homens chegaram à Lua em julho de 1969 e
Woodstock começou três semanas depois. Com o benefício do olhar
retrospectivo, podemos ver que foi aí que os hippies se apoderaram do
país e que a verdadeira guerra cultural sobre o progresso foi perdida.
Os hippies envelhecidos de hoje não compreendem mais que existe uma
grande diferença entre a eleição de um presidente negro e a criação de
energia solar barata; em suas mentes, o movimento pelos direitos civis
caminha em paralelo ao progresso geral em todos os lugares.
Por causa dessas confusões, a esquerda progressista dos anos 1960 não
consegue perguntar se as coisas realmente não poderiam ficar piores. Eu
me pergunto se as intermináveis falsas guerras culturais em torno das
políticas de identidade não serão a principal razão de termos ignorado a
desaceleração tecnológica por tanto tempo.
Seja como for, após 40 anos à deriva, não é fácil encontrar o caminho
de volta para o futuro. Para haver um futuro, seria bom que
começássemos a refletir mais sobre ele.
O primeiro passo – e o mais difícil – é perceber que estamos em um deserto, e não em uma floresta encantada.
¹Peter Thiel é fundador da PayPal. Esse artigo foi exclusivamente publicado na folha de tecnologia do Estadão, o Link.
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