Por Galeno Amorim
O dia ainda não amanheceu quando seu Joaquim faz as primeiras manobras para estacionar a velha carroça diante da casa número 1.135 da Avenida Benjamin Constant. A vizinhança dorme o sono dos justos. São pontualmente cinco horas da manhã. Com todo cuidado, que é para não fazer barulho - que barulho, como ensinou o poeta, de nada resolve -, ele inicia o ritual que repete com fervor quase religioso nos últimos anos.
O dono da casa o ajuda a empilhar, zelosamente, as sete caixas. O animal se assusta e ameaça relinchar. Mas o homem, que não quer saber de vizinhos acordando a essa hora da madrugada, sussurra alguma coisa que aquieta o bicho. No pouco espaço que resta na carroça, agora ele ajeita as duas estantes de aço. Como quem sabe o que faz, o carroceiro ruma à direção do estádio, palco de gloriosas partidas do campeonato de futebol amador de Pirapora, no Alto do Rio São Francisco, interior de Minas. Mas não é este ainda seu destino final. Minutos mais tarde, freia bruscamente o carro de tração animal no meio da via pública. Apesar da hora, já há por ali um forte burburinho.
Homens e mulheres montam, sem perda de tempo, as barracas. Ajeitam, nas bancas, dúzias de tomates, laranjas e outras frutas frescas colhidas na véspera. A carga misteriosa é descarregada com cuidado e posta no chão. Perto dali, o cheiro que exala dos isopores de pescados impregna o amanhecer.
Mas Léo do Peixe está radiante. Tira do bolso duas notas de dez reais e paga o carreto. Domingo, afinal, é dia de feira livre no Santos Dumont, bairro de classe média baixa onde ele vive há anos. Nos dias de semana, Leonardo da Piedade Diniz Filho pesca e vende em casa os peixes que há 18 anos retira nas águas do Velho Chico. Nos finais de semana, faz a feira. Ao lado da barraca de peixes, a esposa monta sua barraca de roupas infantis. Quando as caixas são abertas, uma surpresa: não há nada ali que possa ser vendido nas duas bancas!
Mesmo assim, eles estão felizes. E o que tem lá dentro? Livros! São livros para leitores de todas as idades. Quando clarear o dia, mais uma vez eles estarão lá fazendo fila diante da inusitada barraca para, em vez de verduras ou frutas, enfiar na sacola essa outra categoria de alimento - um alimento para a alma. Lobato, Machado, Eça, Coelho, não importam os autores.
Muitos vão lá só pelo prazer de acariciar as obras. Uns leem lá mesmo, outros levam para casa e só devolvem na outra semana. Cada um leva o que quer e, se não terminou de ler, também não tem problema: o prazo é prorrogado. Não há burocracia e também não precisa pagar.
É simples assim o Clube de Leitura de Pirapora, que começou por causa do medo de Léo do Peixe de ver os filhos de pais tão ocupados, como eles, aos poucos se afastarem dos livros. Logo os filhos dos outros feirantes apareceram e, hoje em dia, já são mais de 400 sócios - pelo menos 80 aparecem a cada domingo. Muita gente vai à feira só para pegar livros. O movimento cresceu tanto que o pescador precisou contratar ajudantes. Como a biblioteca municipal não abre nos finais de semana, o clube virou uma referência por lá.
Léo diz que os livros mudaram sua vida. Gostou tanto dessa história de pescar leitores que resolveu abrir mais sete pontos de leitura na cidade. Pra quem pergunta a razão, o pescador tem a resposta na ponta da língua:
- Quem não lê vira cidadão de segunda classe...
* Eu, Mayara Lucio, editora do blog, desejo ótima reflexão do texto, e aproveito para desejar à todos um Feliz Natal, com corações se renovando com energias boas, com respeito, com igualdade, e um ano novo repleto disso e de muitas outras coisas que desejamos para o nosso bem e para o bem de quem amamos. O blog volta à ativa a partir do dia 3/1/12.
O dono da casa o ajuda a empilhar, zelosamente, as sete caixas. O animal se assusta e ameaça relinchar. Mas o homem, que não quer saber de vizinhos acordando a essa hora da madrugada, sussurra alguma coisa que aquieta o bicho. No pouco espaço que resta na carroça, agora ele ajeita as duas estantes de aço. Como quem sabe o que faz, o carroceiro ruma à direção do estádio, palco de gloriosas partidas do campeonato de futebol amador de Pirapora, no Alto do Rio São Francisco, interior de Minas. Mas não é este ainda seu destino final. Minutos mais tarde, freia bruscamente o carro de tração animal no meio da via pública. Apesar da hora, já há por ali um forte burburinho.
Homens e mulheres montam, sem perda de tempo, as barracas. Ajeitam, nas bancas, dúzias de tomates, laranjas e outras frutas frescas colhidas na véspera. A carga misteriosa é descarregada com cuidado e posta no chão. Perto dali, o cheiro que exala dos isopores de pescados impregna o amanhecer.
Mas Léo do Peixe está radiante. Tira do bolso duas notas de dez reais e paga o carreto. Domingo, afinal, é dia de feira livre no Santos Dumont, bairro de classe média baixa onde ele vive há anos. Nos dias de semana, Leonardo da Piedade Diniz Filho pesca e vende em casa os peixes que há 18 anos retira nas águas do Velho Chico. Nos finais de semana, faz a feira. Ao lado da barraca de peixes, a esposa monta sua barraca de roupas infantis. Quando as caixas são abertas, uma surpresa: não há nada ali que possa ser vendido nas duas bancas!
Mesmo assim, eles estão felizes. E o que tem lá dentro? Livros! São livros para leitores de todas as idades. Quando clarear o dia, mais uma vez eles estarão lá fazendo fila diante da inusitada barraca para, em vez de verduras ou frutas, enfiar na sacola essa outra categoria de alimento - um alimento para a alma. Lobato, Machado, Eça, Coelho, não importam os autores.
Muitos vão lá só pelo prazer de acariciar as obras. Uns leem lá mesmo, outros levam para casa e só devolvem na outra semana. Cada um leva o que quer e, se não terminou de ler, também não tem problema: o prazo é prorrogado. Não há burocracia e também não precisa pagar.
É simples assim o Clube de Leitura de Pirapora, que começou por causa do medo de Léo do Peixe de ver os filhos de pais tão ocupados, como eles, aos poucos se afastarem dos livros. Logo os filhos dos outros feirantes apareceram e, hoje em dia, já são mais de 400 sócios - pelo menos 80 aparecem a cada domingo. Muita gente vai à feira só para pegar livros. O movimento cresceu tanto que o pescador precisou contratar ajudantes. Como a biblioteca municipal não abre nos finais de semana, o clube virou uma referência por lá.
Léo diz que os livros mudaram sua vida. Gostou tanto dessa história de pescar leitores que resolveu abrir mais sete pontos de leitura na cidade. Pra quem pergunta a razão, o pescador tem a resposta na ponta da língua:
- Quem não lê vira cidadão de segunda classe...
* Eu, Mayara Lucio, editora do blog, desejo ótima reflexão do texto, e aproveito para desejar à todos um Feliz Natal, com corações se renovando com energias boas, com respeito, com igualdade, e um ano novo repleto disso e de muitas outras coisas que desejamos para o nosso bem e para o bem de quem amamos. O blog volta à ativa a partir do dia 3/1/12.
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